Com vocês, um texto de um grande pastor, que ainda não tive o privilégio de conhecer pessoalmente, mas admiro muito: Pr. Isaltino Gomes!
Socorro! Quero um Culto
Velho - A Força da Ignorância
(ou: Socorro! Não Aguento Mais Cantar Corinhos!)
Preparado
pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho para o Encontro de Músicos, na PIB de
Manaus.
Vivemos mesmo numa época de
ignorância, de obscuridade intelectual e de irracionalismo. Infelizmente, a
ignorância tem se tornando jóia cultivada neste país, e os mais pensantes são
cada vez mais postos de lado. Quando um político de expressão nacional diz que
livro é como academia de ginástica: a gente olha e foge, é porque a coisa ficou
feia mesmo. O pior é que a ignorância é cultivada com arrogância.
Parece que quanto mais
ignorante, mais digno de crédito. E a espiritualidade evangélica tem se
distanciado do pensar, que tem sido cada vez mais visto como ato carnal, quando
não diabólico. A ignorância está em alta. Está difícil ser evangélico, também,
hoje, a quem é pensante.
Ouvi no noticiário
televisivo: um rapaz de vinte e poucos anos, gaúcho, estudante de Teologia na
Bolívia, desapareceu nos Andes, quando fora escalar uma montanha de 6.300
metros. O rapaz não tem experiência alguma de alpinista, e ainda assim foi
sozinho porque, segundo a mãe, queria ter uma experiência com o Espírito Santo,
queria encontrar o Espírito Santo. Como achou que ele é boliviano e mora nos
Andes foi fazer a escalada.
Com todo respeito: o que
leva a uma pessoa a sair do Rio Grande do Sul onde há bons seminários, passando
pelo Paraná, onde também os há, e ir estudar Teologia na Bolívia?
Respeitosamente: desde quando a Bolívia tem expressão em ensino teológico? Este
jovem não tinha um pastor que o orientasse? E o que leva alguém, sem
experiência alguma, a escalar sozinho uma montanha de 6.300 metros para
encontrar o Espírito Santo?
De onde lhe veio a idéia de
que numa montanha encontraria o Espírito?
E como convertido e
aparentemente vocacionado, ainda não encontrara o Espírito? O que ensinaram a
este jovem na igreja e depois no seminário? Sei que a família está sofrendo e
que é hora de consolar, mas não posso deixar de dizer: quanta gente tonta, sem
noção das coisas, e usando a espiritualidade como pretexto para a falta de
juízo! Mas isto é reflexo do cristianismo que pregamos e cantamos hoje em dia.
Cantamos autênticos absurdos teológicos e que se chocam contra a Bíblia, e
ficamos por isto mesmo. As pessoas não pensam no que cantam, mas se apenas o
ritmo é bom, agitado e as faz sentirem-se bem.
Temos um cristianismo cada
vez mais sem Cristo, e cada vez mais com o Espírito Santo, sendo que por
Espírito Santo as pessoas entendem uma experiência extra-sensorial. Porque uma
experiência com o Espírito aproxima mais de Cristo, pois esta é sua missão. O
evangelho está se tornando um ajuntamento de sentimentos, sensações, experiências
místicas. Culpo um púlpito que não é exegético e corinhos ingênuos e até tolos.
Os muitos corinhos que enxameiam nossa liturgia nos fazem cantar tantas
inconveniências que fico abismado que pessoas razoavelmente lúcidas em sua vida
secular cantem aquelas letras. Boa parte delas é confusa, sendo difícil ligar
uma linha à outra. Pessoas que são professores cantam tantos erros de
português, em que “tua” e “sua”, que são pessoas diferentes, se misturam e por
vezes nem se sabe quando se fala de Deus ou de alguma outra pessoa.
Raramente se fala de Jesus,
e quando se fala dá para notar que Jesus é cada vez mais um conceito para
dentro qual as pessoas projetam seus sonhos de consumo ou de classe média, que
o Redentor e Salvador. A linguagem é
horrorosa: mergulhar nos
teus rios, beber nos teus rios, voar nas asas do Espírito, subir o monte de
Sião, estar apaixonado por Jesus, subir acima dos querubins, uma série de
expressões que não fazem sentido algum. Mas os compositores estão acima da
crítica, mesmo quando fazem coisas ridículas, como andar de quatro em público.
E quem canta os tais corinhos se sente bem.
E também não aceita
correção. Quem tenta corrigi-los em suas heresias e tolices é vaidoso, carnal,
fossilizado, etc. O que vale não é se o que se canta é certo, mas se faz bem.
As pessoas querem se sentir bem e ter alguma experiência. O conteúdo do que se
canta é irrelevante. Sendo honesto: não agüento mais cantar corinhos! Chamem-me
de vaidoso ou pernóstico, que não fará diferença, mas a maior parte dos corinhos,
mesmo que na nova semântica se chamem pomposamente de louvor, é uma ofensa a
quem sabe ler e interpretar um texto e tem uma noção mínima de conteúdo da
Bíblia.
“Eu tenho a força”, bradava
He-Man. Uma força mística, não divina, mas uma energia cósmica. Parece-me que é
essa força espiritual que as pessoas buscam. Eles não querem aprofundamento no
evangelho nem estudar a Bíblia.
Eles querem sensações e
experimentar uma força. O evangelho está se diluindo no esoterismo que grassa
no mundo atual.
Esta é uma palavra especial
aos pastores e ministros de música, que julgo eu, são as pessoas mais
responsáveis pelo que acontece e que podem mudar a situação. Quero alinhavar
algumas sugestões e lhes peço, respeitosamente, que pensem nelas.
1. FUJAM DO
COPISMO
Chacrinha dizia que “na
televisão nada se cria, tudo se copia”. No cenário evangélico também. Há uma
usina produtora de corinhos, de forma comercial, que massifica nossas igrejas.
Nossos jovens cantam as mesmas coisas vazias em todos os lugares. Em várias igrejas
se vê a mesma deselegância de adolescentes robustas, saltitando, num monte de
véus, no que pretende ser uma coreografia, mas que mostra gestos descoordenados
e deselegantes. Chega a ser triste de ver as pessoas saltitando sem habilidade
e com uns gestos que nada têm a ver com o ritmo da música. E a gente fica sem
saber o que fazer: se olha as jovens pulando, se pensa no que está cantando, se
nota as figuras do multimídia, ou os erros de português das letras, ou ainda o
embevecimento do chamado “grupo de louvor”, que volta atrás, repete uma estrofe
(quando há estrofe), tremelica a voz, faz ar de quem está sentindo dor. Mas é o
padrão na maior parte das igrejas. Parece um shiboleth. Quem não faz assim
corre risco de ser execrado. Porque os detentores da verdade litúrgica
inovadora são fundamentalistas: fora do modelo deles não há louvor nem
espiritualidade. Mas eu pergunto: é preciso fazer tudo igual?
Convencionou-se que sim,
porque ser antiquado é uma ofensa inominável. E para alguns, fora do padrão corinhos
e danças tudo é velharia e não há espiritualidade.
Se você é líder e não
concorda, diga que não concorda. Não ceda por medo. Há pastores que têm medo de
perder o pastorado e cedem a direção do culto aos jovens. Eles cantam, cantam,
e depois se sentam e se desligam do resto da atividade, quando não saem do
templo. Há um descompasso entre o que se cantou e o que se prega. Porque se
canta um evangelho muito diluído. Há pastores que têm medo de perder o rebanho,
massificado por este padrão, e o usam. Tenho ido a igrejas em que pastores
ficam alheios aos corinhos (recuso-me a chamá-los de “louvor”), mas dizem-me
candidamente: “Eu não gosto, mas o pessoal gosta”. Ele deixa de ser o
orientador do povo e passa a ser um garçom que serve o que o povo gosta. Ministro
de música também age assim. E também está errado. Se estudou música e passou
por um seminário deve ter uma proposta de liturgia menos medíocre e que atenda
a todas as faixas etárias da igreja. É sua responsabilidade. Nossos cultos
estão sendo empobrecidos pelos corinhos. A música é de baixa qualidade e as
letras são aguadas. Os corinhos são cada vez mais efêmeros. Ministro de música,
não copie a pobreza musical e intelectual dos corinhos.
Pensar não é pecado. E ser
inteligente também não é. Se os “levitas” podem discordar dos que chamam
depreciativamente de “conservadores”, por que nós, conservadores, não podemos
discordar dos “mediocrizadores” da música evangélica?
2. O QUE A
BÍBLIA DIZ?
Tudo na igreja deve ser
submetido ao crivo da Bíblia, inclusive o que se canta. Os compositores não
estão escrevendo uma nova revelação e estão sujeitos ao crivo da Bíblia. Devem
ser humildes e não pensarem de si como oráculos de Iahweh. Quem queira subir o
monte santo de Sião deve ler Hebreus
12.22-29 e ver que ele é um
símbolo do evangelho, da igreja de Deus, e que cada crente já está nele. O
monte Sião não tem nada para nós. Quem queira subir acima dos querubins deve
ler Isaías
14 e verificar que alguém
quis fazer isto no passado e foi expulso do céu.
Quem cante “Quero ver a tua
face, quero te tocar”, deve se lembrar que Deus disse a Moisés: “Não me poderás
ver a face, porquanto homem nenhum verá a minha face, e viverá” (Êx 33.20).
As primeiras declarações de
fé da igreja foram expressas em cânticos.
Muitas afirmações
litúrgicas do Novo Testamento foram expressões teológicas que firmaram os
cristãos. Lutero firmou a Reforma com suas pregações, seus escritos, mas muito
mais com seus cânticos. São cânticos que ficam na mente e muita gente está
subindo o monte porque canta isto. A igreja precisa cantar sua fé e sua fé está
na Bíblia.
Toda letra de cântico deve
ser submetida ao crivo bíblico. O certo não é o que a pessoa sente nem se o que
ela canta lhe faz bem. O certo é o que está de acordo com a Bíblia.
O conteúdo do evangelho foi
muito definido: Cristo crucificado. Mas pouco se cantam Cristo e a sua cruz.
Precisamos cantar o ensino da Bíblia. “Doce canto vem no ar com a primavera,
Flores lindas vão chegar com a primavera, Lírios, dálias e alecrins, Violetas e
jasmins, O sol vai brilhar, passarinhos vão cantar, Com a primavera”. O que
isto tem a ver com Cristo, com a salvação, com a segurança dos salvos?
Temos abandonado a Bíblia
como fonte de doutrina, trocando-a por revelações e sonhos de gurus. Temo-la
abandonado como inspiradora de modelo gerencial para a igreja, assumindo
padrões de administração humana. Muita pregação, mesmo com ela sendo lido, é
apenas emissão de conceitos culturais, e sendo ela mero pretexto para o
discurso. E temo-la deixado de lado como balizadora do que cantamos. A função
do cântico não é distrair as pessoas nem fazê-las sentir-se bem no culto, mas
ensinar as grandes verdades de Deus. O culto deve ser doutrinador, sim. Preguei
num congresso de jovens em Manaus, e deselegantemente, o dirigente tomou a
palavra após minha fala e disse: “Não me interesso por doutrina, e sim por
Jesus”. Pedi o microfone de volta e fiz uma pergunta: “Sem doutrina, que
Jesus você tem?”.
Com nossos cânticos atuais,
não temos Jesus. Em muitos deles temos um espírito de grupo, uma cultura grupal
ou um Espírito que mais se parece com a Força de He-Man que com o Espírito
Santo. É preciso subordinar tudo ao crivo da Bíblia. O evangelho está se
tornando cada vez menos bíblico e mais sentimental. Porque está faltando
Bíblia.
3. NÃO
DESPREZE SUA HERANÇA TEOLÓGICA E LITÚRGICA
O terceiro aspecto que
abordo é este: não despreze sua herança teológica e litúrgica. Há uma tradição
que engessa e que fossiliza.
Mas há uma tradição que
enriquece e que dá balizamento. O evangelho não começou agora. A igreja não
surgiu há alguns poucos anos. Os momentos de louvor e adoração não foram
criados agora. Muitos deles, no passado, deixaram marcas profundas de
avivamentos que impactaram a sociedade.
Até agora caí de tacape e
borduna nos corinhos, sem abrir espaço para reconhecer que alguns sejam bons.
Foi de propósito. Creio que consegui um pouco de atenção. Creio que há cânticos
bons e que trazem conceitos espirituais seguros. São coerentes, biblicamente
falando. E respeitam a herança teológica do protestantismo. Porque este
critério também tem valor: os cânticos estão reafirmando nossa fé ou
modificando a nossa fé?
Infelizmente, a maioria me
deixa desconfortado: não os canto porque não expressam minha fé, a fé em que
fui criado, a “bendita fé de nossos pais”, como diz um hino.
Nós temos um passado e não
podemos fugir dele. A ignorância do passado leva a cometer os mesmos erros
cometidos. Houve uma longa luta para firmar o cânon do Novo Testamento, e
precisamos lembrar que é ele que interpreta o Antigo. Muita gente tem cantado o
Antigo Testamento, mas nós somos cristãos.
Nós cantamos a fé em
Cristo. Se o Antigo Testamento é pregado, deve ser interpretado pelo Novo. Se o
Antigo é cantado, deve ser interpretado pelo Novo. Estão querendo rejudaizar o
evangelho, questão que a igreja já resolvera em Atos 15 e contra a qual Paulo
escreveu a sua mais dura carta, a epístola aos gálatas.
Somos filhos do Novo
Testamento, e não do Antigo. Somos filhos dos evangelhos e das epístolas, e não
de Salmos, embora Jesus os usasse.
Mas seu próprio jeito de
usar os salmos nos orienta: ele os reinterpretou em sua pessoa. Cantemos Jesus,
cantemos a fé cristã e não meras sensações, cantemos a cruz, o túmulo vazio, o
perdão dos pecados. Cantemos a Igreja, e não Israel. Somos cristãos e não
judeus.
Cantemos que “a cruz ainda
firme está e para sempre ficará”.
Somos salvos pela graça por
meio da fé em Cristo. Não somos salvos pelo Espírito Santo nem por uma
experiência litúrgica. O Espírito é uma pessoa e não sensações: “O Espírito
Santo se move em você com gemidos inexprimíveis” é algo sem sentido. Ele geme
por nós, em oração, com gemidos inexprimíveis (Rm 8.26). Mas não se move dentro
de nós, com gemidos. O ponto central do evangelho é Cristo e sua cruz.
Este é nosso tesouro
teológico, herança à qual devemos nos agarrar.
Qualquer cântico que
deslustre isto, que diminua Jesus, que esmaeça a cruz, é blasfêmia. Não quero
cânticos de auto-ajuda. Quero Jesus e sua cruz. Quem tem Jesus não precisa de
muletas emocionais. Quero cânticos bíblicos, de acordo com a fé que uma vez foi
entregue aos santos (Jd 3).
CONCLUSÃO
Sei que foi uma palestra
dura. Não vou me desculpar porque o que eu disse é o que eu creio. Sim, estou cansado
da ditadura litúrgica que me parece associada a um fundamentalismo: só nós
sabemos o que é espiritual e vocês estão fora, são do passado, são frios, são
formais.
Eu me recuso a cantar
bobagens com roupagem espiritual. E desafio vocês a restaurarem a liturgia com
conteúdo, com ensino. Desafio-os a não cederem à força da pobreza litúrgica que
nos avassala.
Há algo mais comovente e
com mais conteúdo que “Castelo Forte”, “Aleluia”, “Amazing Grace”? Por que a
ditadura dos corinhos? Por que, no natal, sou obrigado a cantar que quero voar
nas asas do Espírito?
Que os compositores de
corinhos componham música de boa qualidade com letras de conteúdo, e ajustada
às épocas, também. Os corinhos são monocromáticos.
Dizem sempre a mesma coisa.
Nunca ouvi um exortando à confissão de pecados, falando do natal, da dedicação
de crianças, da semana da paixão, de missões, da Bíblia como Palavra de Deus.
Tudo é igual: louvar, adorar, contemplar, sentir-se bem. Não permitam a
monocromia, que é sinal de pobreza.
Escrevi, tempos atrás, um
artigo intitulado “Quero uma igreja velha”.
Esta palestra é um desabafo
e um pedido de ajuda: “Socorro, quero um culto velho”. Com a Bíblia exposta,
com solenidade, com cânticos com nexo, com os grandes hinos de nossa fé, com
Cristo e sua cruz brilhando. Sim, estou cansado da liturgia atual, que é pobre
e alienante.
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